20 de nov. de 2011

O Suicídio e sua Relação com o Comportamento Impulsivo-Agressivo


O suicídio é um sério problema de saúde pública, principalmente em países desenvolvidos, onde as altas taxas de suicídio entre jovens adultos do sexo masculino fazem com que este seja uma das principais causas de morte e de anos potenciais de vida perdidos. A etiologia do suicídio é certamente complexa, com diversos fatores contribuindo para a predisposição a este evento. Entre estes se encontram os fatores genéticos. Nos últimos anos, diversos estudos genético-epidemiológicos têm consistentemente sugerido que o componente genético é significativo. Entretanto, o modo exato através do qual os genes aumentam a predisposição de certos indivíduos a cometer o suicídio é ainda desconhecido. Há evidência crescente de que os fatores genéticos devem influenciar a predisposição ao suicídio via uma modulação dos comportamentos impulsivo e impulsivo-agressivo. Os estudos que investigaram fatores genéticos no comportamento suicida, assim como esta relação com os traços impulsivo-agressivos. O comportamento suicida é comumente classificado em três diferentes categorias ou domínios: ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídio propriamente dito . Apesar de que poucos dados são disponíveis, estudos clínicos e epidemiológicos sugerem a presença de um gradiente de gravidade e também de heterogeneidade entre estas diferentes categorias. Assim, num dos extremos, teríamos a ideação suicida - ou seja, os pensamentos, idéias e desejos de estar morto - e no outro, o suicídio completo ou propriamente dito, com as tentativas de suicídio entre estes. A presença de ideação suicida e, principalmente, de uma história positiva de tentativas de suicídio têm sido vistas como tendo um importante valor preditivo na avaliação do risco para suicídio. Entretanto, uma maior quantidade de estudos, principalmente prospectivos, são necessários para melhor compreender a relação entre estes diferentes tipos de manifestações do comportamento suicida. Nesta revisão focalizaremos principalmente o suicídio completo.

No decorrer dos últimos 20 anos, vários estudos neurobiológicos vêm consistentemente indicando que uma redução na atividade serotoninérgica é associada com o comportamento suicida, particularmente entre casos que apresentam altos níveis de traços impulsivos e impulsivo-agressivos.8 Estudos mais recentes têm encontrado um aumento no córtex pré-frontal do binding de agonistas serotoninérgicos a receptores pós-sinápticos de serotonina, principalmente o receptor 2A.18,19 Isto sugere uma up regulation compensatória em resposta a uma atividade serotoninérgica reduzida nesta região cerebral, o que é de grande interesse já que o córtex pré-frontal esta envolvido na execução da função inibidora. De fato, lesões nesta área resultam em desinibição do impulso e do comportamento agressivo.8 Portanto, é possível que sujeitos com uma redução serotoninérgica nesta região cerebral possam ter uma maior predisposição a atuar impulsivamente e auto-agressivamente quando expostos a situações estressantes, tais como aquelas causadas pela presença de quadros psiquiátricos e, em algumas instâncias, isto poderia resultar na manifestação de comportamento suicida.
A importância do meio ambiente na etiologia do suicídio é bastante clara e intuitiva. Certo insight sobre a relação entre eventos de vida, fatores biológicos e comportamento suicida provém dos estudos conduzidos em primatas não-humanos. Macacos, quando privados do contato materno logo ao nascimento, manifestam comportamentos automutilatórios que podem servir como modelo do comportamento suicida relacionado a traços impulsivos e impulsivo-agressivos. A presença de comportamentos automutilatórios em macacos isolados é correlacionado com alterações neurobiológicas no sistema serotoninérgico semelhantes àquelas encontradas em sujeitos que cometem suicídio. Entretanto, não todos os macacos privados de contato materno manifestam comportamento automutilatório. Além disso, a intensidade destes comportamentos é variável. Porém, é interessante notar que uma porção significativa desta variação, assim como da variação no turnover de serotonina dos animais que apresentam comportamentos automutilatórios, é controlada por fatores genéticos.
Isto é consistente com os dados de uma série de estudos genético-epidemiológicos, consistentemente indicado que os fatores genéticos conferem uma maior predisposição ao comportamento suicida. Estudos familiares têm apontado para a presença de agregação familiar do comportamento suicida. Alguns desses estudos conseguiram demonstrar que a transmissão do comportamento suicida é independente da segregação familiar de morbidade psiquiátrica. Por exemplo, o estudo de Egeland et al.27 na população Amish - uma sociedade bastante religiosa, socialmente coesa e com baixas taxas de abuso de álcool e drogas - é, apesar de simples, bastante ilustrativo. Estes autores claramente demonstraram que o transtorno do humor agregava em uma série de famílias nessa comunidade, mas a co-segregação com o suicídio foi somente observada em algumas destas famílias, sugerindo que:

a) a presença do transtorno do humor é necessária, mas não suficiente, para a ocorrência de suicídio;

b) os fatores que predispõem ao suicídio também tendem a agregar em famílias.

Estes autores avaliaram as famílias de adolescentes que se suicidaram e de controles normais, investigando nos parentes de primeiro e segundo grau, através de entrevistas diretas, a presença de história de suicídio completo, tentativas de suicídio, ideação suicida. Assim como a prevalência de traços de impulsividade e agressividade. Os resultados obtidos claramente sugeriram que o comportamento suicida, principalmente as tentativas e o suicídio propriamente dito, agrega em famílias e que esta agregação é independente da psicopatologia. Além disso, os dados deste estudo também indicaram haver co-transmissão do comportamento suicida e o comportamento agressivo, confirmando ao nível familiar aquilo sugerido por diversos estudos observacionais em indivíduos não relacionados.
Estudos de gêmeos e de adoção foram realizados na tentativa de separar o componente genético do ambiental. De modo geral, tanto os estudos de gêmeos como os de adoção encontraram evidência favorável à participação do componente genético na etiologia do suicídio, com taxas de concordância entre gêmeos monozigóticos (MZ) superiores às encontrados para gêmeos dizigóticos (DZ), assim como taxas superiores de concordância para parentes biológicos em comparação aos adotivos. Entretanto, estas taxas não são altas. Os estudos em gêmeos encontraram valores em torno de 12% para gêmeos MZ e de 2% para os DZ. Os de adoção observaram taxas de concordância semelhantes, variando ao redor de 21% para os parentes biológicos e 0% para os adotivos. Os valores relativamente baixos de concordância provavelmente refletem o fato de que o suicídio é um quadro complexo, o qual deve resultar da interação de diversos fatores, entre os quais o ambiente não compartilhado (ou seja, aquele que é próprio a cada gêmeo/indivíduo) e que, portanto, deve manifestar-se naqueles casos mais graves e penetrantes. Assim, as taxas de concordância seriam certamente mais altas se a presença de uma série de comportamentos relacionados, tais como tentativas e comportamento agressivo, fossem considerados no outro gêmeo ou parente biológico. Os fatores genéticos são responsáveis por aproximadamente 45% da variância fenotípica observada quando a ideação suicida e as tentativas de suicídio são considerados.
Além dos estudos que indicam a participação do componente genético na etiologia do suicídio, poucos estudos foram realizados na tentativa de melhor caracterizar este fator etiológico. O modo de herança do comportamento suicida em pacientes deprimidos com história de tentativa de suicídio é compatível com herança poligênica.
Finalmente, alguns estudos moleculares têm sido realizados, principalmente nos últimos 5 anos. A maioria destes estudos focalizaram o gene que codifica a enzima triptofano hidroxilase (TPH) - que é a enzima cuja atividade controla a taxa de síntese da serotonina. Entretanto, é interessante observar que a maioria dos resultados consistentes com a presença de associação provém de estudos que investigaram pacientes com comportamento suicida que também apresentavam história de comportamento impulsivo e impulsivo-agressivo. Isto é congruente com a hipótese de que os fatores genéticos devem provavelmente modular a predisposição ao suicídio e talvez, a outros comportamentos suicidas, através de um aumento na manifestação de comportamentos do tipo impulsivo e impulsivo-agressivo.
Em conclusão, a participação do componente genético na etiologia do comportamento suicida parece ser considerável. Contudo, parece também ser claro que esta carga genética não é específica ao suicídio propriamente dito, muito menos à psicopatologia subjacente freqüentemente vista nestes casos. De fato, diversas linhas de evidência sugerem que uma série de comportamentos relacionados ao suicídio deva ser considerada de modo a melhor caracterizar-se tanto os próprios fatores genéticos, como outros fatores cujo papel é importante na predisposição a este evento tão trágico.

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